segunda-feira, 24 de maio de 2010

EPÍLOGO

Ainda hoje restam dúvidas entre seus pares a respeito das verdadeiras razões que levaram Sô Chiquito a manter as chamas vibrando no fogão ao longo de várias noites, mesmo estando na iminência da morte: estava ali queimando o medo ou atiçando a fé? Ou apenas fez uso da sua evidente determinação para cumprir o desejo de continuar ativo? Essa hipótese é a mais considerada, visto que, além de mostrar coerência com o passado de labutas, esclarece que, para ele, o processo da vida consistia somente de desafios brutos. Embora existam várias conjecturas, sua atitude final continua repleta de significados.

Após esses dias ele se foi. Antes de ficar velho, antes de virar menino. Sô Chiquito não pediu reza e não puxou do terço, contudo se rezou em algum momento foi por meio dos gravetos atirados, um após outro, por várias noites seguidas. Se alcançou alguma graça divina da qual tirou acalanto ele a viu através das labaredas durante suas noites insones.

Seus feitos e acontecidos são comentados pelos arredores e fica, a saber, se alguns casos ainda estão por vir à tona. Porém, prevalece um relativo consenso: ele nada viu ao seu redor por acreditar não existir maiores importâncias além das obrigações, invariavelmente impostas por ele mesmo, a cumprir. Um exemplo disso foi a opção escolhida na ocasião em que um dos filhos queimava em febre ao mesmo tempo em que uma vaca passava mal por envenenamento. Ele no curral ficou. Perguntado se não se preocupou com a doença do filho, respondeu pragmático: _ Na casa tinha muita gente que sabia cuidar de gente, para cuidar da vaca só tinha eu mesmo!

O tempo passou e, generosamente, embaçou o que não foi comédia. Pinçar da trajetória humana somente o que não dói não deixa de ser uma boa forma de eternizar o que faz bem.

*******

17 comentários:

Bia*-* disse...

Adorei o texto. Não vem com essa de epílogo, ainda tem muito causo p contar.
Beijo grande.

Mariza Guerra disse...

Obrigada Monica! Sempre contei com seu entusiasmo pelos meus escritos.
Espero que meus outros seguidores deixem aqui um comentário.

Eurico de Andrade disse...

Mariza,
Tive a oportunidade de reler seu texto e apreciar as histórias que vc, tão carinhosamente, escreveu sobre o seu Chiquito. É um texto muito bom, o seu. A gente vai lendo e não quer parar, com a curiosidade de querer saber o que vem depois. Também, como sua irmã, acho que vc tem que continuar. Deve haver muitas e boas histórias para contar desse "Bravo". É só botar a cuca pra lembrar e conversar com tantas pessoas que o conheceram, inclusive fora do âmbito familiar. Olha que isto pode virar livro...
Parabéns pelo seu trabalho.

Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo!!!!Emocionante sua visao de fatos aparentemente tao banais.Muito boa sua percepçao do significado por tras do fogo q nao podia apagar.Vc conseguiu um distanciamento e generosidade suficiente p entender com lucidez todos os fatos e ainda ver magia e sentido neles. Agora tome vergonha e comece o livro, tá??

Mariza Guerra disse...

Querido Prof. Eurico, suas palavras elogiosas possuem um peso considerável, portanto estou aqui toda metida. Abraço carinhoso.

Mariza Guerra disse...

Agradeço ao anônimo(sei de quem se trata)pelas belas palavras. Beijinhos.

Demósthenes disse...

Iza... Demósthenes chamando, câmbio!!
rssss...
Permita-me o apelido de infância, pré-adolescência...
Nunca entrei em blog algum - infelizmente -, e ainda não sei até onde posso escrever e se há um 'moderador' para controlar as palavras que se possa dizer... ou o limite textual, que a amplitude do 'falante' pode alcançar...
Bom, tentarei ser breve (passa da meia-noite), nesse 'minifundio' (?) de 'papel'... (ainda sou do tempo de escrever em papiros e pegarminhos...)
Mas, vamos deixar de papo-furado e vamos lá:
Corria o ano de 1966, se não me trai a memória, cheguei a Santa Bárbara, com meu pai, mãe e irmã... tinha lá meus 10 anos, já que sou de 1956... (depois me diga se posso ou não contar histórias ou só 'avaliar' todas as que longamente saboreei ainda há pouco...)
Mas é preciso me situar no tempo e no espaço, para poder me fazer entender a outros que, porventura, acabem lendo o que vou escrevendo...
Meu pai, funcionário público dos correios, fora transferido para a cidade... Logo, logo, bravo que era, ficou freguês e amigo do "Sô Chiquito", lá no armazém do "Sô Chiquito"... Dizem que 'dois bicudos não se beijam...' e que 'um gambá não cheira o outro'... (para me valer de velhos ditos populares).
E, logo, logo, perdoe-me a repetição, eu 'fui parar' na casa do 'homi', lá na Fonte da Pedra... para fazer amizade, num primeiro momento, com 'Pepé'... Fernadinho, o primogênito.... Ali eram: Sô Chiquito, Da. Lúcia, Fernandinho, Iza, Lila, Marilda, Monica (Monquinha), Márcia (que acho que não tinha nascido ainda), Luciano, Ricardinho e... esqueci... São 9, não? Pois sim... Eu e Pepé, Pepé e eu... andávamos à cavalo, depois de assistir, aos domingos pela manhã, Durango Kid, um cavaleiro combatente de bandidos e de banditismos... que só andava à galope e dava milhares de tiros... Ali, na fonte empoeirada, debaixo de uma pedreira enorme, que a nós devia parecer a serra do Caraça, crianças que éramos... Àquele tempo, eu devia ser, talvez, o único a ter a oportunidade de conviver ali, quase toda semana... Começava ali, uma amizade que muito me honrou e honra até o presente... Na próxima postagem, começarei a contar uns pequenos causos que a minha memória, de certo, trará à tona. Certo sim, que a figura ímpar do 'Seu Chiquito' é, de longe, a mais importante a merecer encômios... Homem rude, trabalhador e que não fazia concessões... Aguarde-me, amiga... que eu volto aqui... volto para contar como eu lia os seus 'gibis' e 'deixava' Fernandinho ler, de longe, nas minhas costas, sentado num degrau imediatamente mais alto do meu, naquela escada da varanda, porque as 'arengas' entre vocês serviam de razão bastante para não emprestá-los ao irmão insistente...

(Registro, por oportuno, e se for o caso poderá ser a parte que possa ou queira publicar, a alegria de receber sua mensagem, convidando-me ao 'blog'... Que você sempre foi lúcida, inteligente, perspicaz e assídua leitora, eu já sabia... mas ler seus textos, admirando-me por tamanha qualidade, foi de um sabor especial, eu que convivi na casa dos seus pais, durante um razoável tempo de nossa juventude).
Receba, pois, os meus efusivos cumprimentos, porque trouxe ao meu coração, a alegria de "ouvir" histórias cuja fidelidade, em algumas delas que eu também reconheci, eu posso afirmar que testemunhei. Parabéns por registrar em rede indelével, com tintas fortes, verdadeiras, o que representou seu pai em nossas vidas... Muito posso dizer da influência que também recebi deste Homem, não encontradiço aqui ou ali... Ímpar por sua própria natureza... Um abraço e parabéns pela nobre iniciativa...
Ex corde, Demósthenes

Mariza Guerra disse...

Querido Demósthenes, estou feliz por você ter gostado do relato. Fiz questão de convidá-lo a vir aqui justamente por você ter sido um dos poucos desafiadores a nos visitar, além disso viveciou algumas dessas bravezas. Bjos

Eurico de Andrade disse...

Mariza,
Cê tá vendo que tenho razão quando digo que tem que continuar a escrever? Pense com carinho em escrever tb sobre aquilo que ainda dói. Pode não ser agora, mas um dia vc chega lá. Basta ir pensando e fazendo concessões ao tempo. Aproveito para cumprimentar ao seu leitor, o Demósthenes que, pelo jeito, é amigo das palavras e sabe muito bem brincar com elas. Gostei muito do que ele escreveu. Está tb dentro da minha linha de incentivá-la a continuar. Abraços.

Mariza Guerra disse...

Mestre Eurico, cheguei até aqui graças aos seus empurrões. Junto a eles estou recebendo outros, invariavelmente dos amigos incondicionais. Seguirei seus conselhos mesmo porque não há mais jeito de deixar dessas escrivinhações. Quanto a relatar o que dói...não haverá tempo suficiente para o distanciamento necessário! Bjos

Demósthenes disse...

Isa..querida...
Vero... verissimo...vivenciei sim, mas o meu desafio era apenas o 'desafio' da criança inocente, 'um pouco' corajosa, mas sem visões subjacentes... Certo dia... rsss... vou contar... já passava das 20 ou 21 horas, eu, rapazola, proseava com Lila na sala, salvo crasso engano... sob luz difusa (era deficiência da energia elétrica que chegava à Fonte da Pedra), cada um sentado em poltronas diferentes, evidentemente, e "Sô" Chiquito adentrou a sala...pisando o velho piso de tábuas que rangia sob o seu peso... e falou (passando uma das mãos nos temíveis bigodes dele, camisa semi-aberta e ainda de botinas 'gomeiras', enlameadas:
- ô minino... cê já cumeu?
...ao que respondi:
- obrigado, 'seu' Chiquito... num precisa preocupar... estou bem, obrigado...
- hum... sei... - acho que vou pedir a Lúcia prá ajeitá uma bacia procê lavá os pé... e ocê dorme aí... (foi falando imperativo...sem esperar resposta...)
Rsss...
- Imagina, Sô Chiquito (emendei...)eu já tô mesmo de saída...mas obrigado...
Nós, entreolhados...enquanto ele se retirava de volta à cozinha, olhando um para o outro... caladinhos... contando, coração batendo forte, os segundos suficientes para 'caçar rumo...'; não dava para ser minutos... Até para levantar do sofá, o gesto era medido, cuidadosamente...
E o 'homi' voltou mesmo prá cozinha, beira de fogo... que, como na fazenda, 'agarrada' do lado esquerdo daquela ponte rumo a Catas Altas, sempre estava aceso por ali, com algum caldeirão de feijão, sopa ou o que fosse... Eu, menino-ainda fui embora pensando: - puxa... dormir aqui... eu, heim!! rsss...
- Será que demorei demais ou ele quis me agradar? rssss...
O certo é que nunca mais 'atrasei-me' para ir embora... principalmente depois que a noite caia...
Um beijo fraternal, amiga...

Unknown disse...

Adorei o texto!Ao final de cada capítulo ficava anciosa pelo próximo. Mônica tem razão não pare por ai ainda se tem muito acontar desse bravo homem!Abraços.

Mariza Guerra disse...

Querida Patricia, obrigada pelo carinho. Diante dos incentivos quem sabe não volto com Parte II, O Retorno do Bravo? Bjinhos.

Lila disse...

Uai!!Tô perando o epilogo Parte II, III, IV e etc.......onde ja se viu querer terminar antes de acabar??!!!Vc sempre teve otima memoria....se vira ai p lembrar de mais coisas.....rs....

Unknown disse...

Mariza,
Que vc é apreciadora da boa literatura, isso eu já sabia. Que vc é excelente escritora, também sabia. A novidade é juntar tudo em uma história cativante e animada. Dei boas gargalhadas, agora estou ansioso pelos próximos capítulos e concordo com os comentários que dizem que vc deve transformar estas histórias em livro.
Consigo imaginar sua noite de autógrafos. Lembra de Paris? Bjs

Mariza Guerra disse...

Marcos, obrigada por colocar lenha na minha fogueira, e peço que continue a me rogar praga, foi assim com a melhor viagem que já fiz! Bjos

everaldo disse...

Emocionante o texto, é a palavra q encontro no momento, com certeza existem outras.... eu tenho boas lembranças do sô chiquito, mesmo sabendo q ele era uma pessoa, digamos assim, difícil, mas, como eu ia na venda como cliente ou entregar mercadorias, era sempre bem recebido. agora, qdo passava pela cabeça q ele poderia ou eu queria q fosse meu sogro(na casa dele tinha ou ainda tem, moças q disputavam ser as mais belas da cidade) , rsssssssssssssssss ai minha cabeça, de amigos e colegas parafusavam, kkkkkkkk,como encarar o sô chiquito? não seria uma tarefa das mais fáceis, pensava eu e outros. com certeza ele deixou um grande legado para a familia e para a cidade, homem honesto, trabalhador, sério e responsável... parabens pelo lindo texto.........