domingo, 19 de dezembro de 2010

UMA MENINA NA ROÇA VII


Após uma doce viagem a chegança se dava pela casa do tio que morava na chácara bem próxima da fazenda. A menina apeava da carroça, mexia com os primos pequenos, um deles preso dentro de um caixote, ou melhor, chiqueirinho, sorrindo para tudo; despedia dos tios e  seguia para a fazenda dos avós. Havia somente uma alameda, sombreada por frondosos pés de manga, separando as duas moradas. A menina atravessava esse trecho tomada de sustos por ouvir os ruídos no mato. Eram os calangos aprontando correria pelo chão atulhado de folhas secas fugindo às pressas para os troncos das árvores, pareciam bem mais apavorados com a visita inesperada. Os pássaros também assustados deixavam suas frutas despencarem pelo chão, derrubavam outras e saiam em debandada. Mesmo sendo um percurso pequeno essa algazarra era mais do que suficiente para aumentar o medo, sobretudo por haver uma pequena curvatura no caminho tirando a visão das duas casas trazendo aparente solidão em meio a tanto mato. A imaginação solta e tomada pelo temor  judiava da menina e  fazia com que os rabos das lagartixas virassem cobras;  onça, lobo  e  outros bichos piores espreitassem por perto prontos para atacá-la. Tudo isso porque era ali, do lado de baixo da alameda, o início de um grande pomar formado por árvores frutíferas bem antigas e por isso muito altas e folhosas. Quase todo o arvoredo esbarrava no céu. A menina apertava os passos para chegar rápido e em segurança até a casa, seu coração sossegava somente após ver a bica jorrando no terreiro da cozinha.


Continua...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

UMA MENINA NA ROÇA VI



Dois tios moravam na vizinhança da fazenda e diariamente comercializavam a produção de suas roças na cidade. Sendo que um deles ajuntava também os produtos da fazenda do velho pai fazendo com que a carroça saísse abarrotada de mercadorias, sobrando lugar apenas  para um passageiro junto ao condutor. Havia latões com leite, verduras, frutas, ovos, queijos, doces, mel, rapaduras, cachaças e até galinhas resmungando estrada afora. Já na entrada da cidade a carroça encontrava os primeiros fregueses, em pé nas portas das casas, atraídos pelo som do tropel do cavalo no calçamento pés-de-moleque. Enquanto a comercialização ocorria, rolava risos e prosa entre vendedor e compradores, os acontecimentos dos arredores eram comentados a rodo: quem morreu, quem nasceu, quem casou, quem mudou! Era assim que as notícias corriam.

Quando janeiro chegava a menina arrumava a sacola de roupas e caminhava ao encontro da carona na carroça. O ponto de parada, tanto na chegada da roça quanto na saída, era a casa de uma das tias da cidade. Ali era o local onde o leite seria novamente coado e distribuído pela vizinhança. Quando a carroça chegava já encontrava formada desde muito cedo uma fileira de leiteiras e canecos à espera do leite. Era a maneira prática de segurar lugar sem necessidade de estar presente. A atitude se justificava, visto que na época de seca, quando o leite minguava, as últimas vasilhas às vezes ficavam vazias.

Na volta para a roça a carroça ia leve e solta. Levava somente mantimentos não produzidos por lá,  como o açúcar para os doces, arroz, macarrão, ferramentas, remédios e miudezas em geral. Pegar carona nessas idas e vindas era um divertimento que a menina esperava com satisfação. Ela se deliciava ao ouvir as histórias dos tios pela estradinha, ver de perto cada pedacinho de chão, beber água geladinha na nascente  e ainda ouvir os ecos dos pássaros soando por cima do rio e nos morros.

Continua...