quinta-feira, 29 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 9


CAPÍTULO IX



Depois que ficou viúvo mudou-se de mala e cuia para a fazenda. Ficou do jeito que gostava, morando no mato, sem ninguém para amolá-lo. Continuava a levantar-se de madrugada e a dormir com as galinhas. Na lida diária contava com a ajuda de poucos empregados, a maioria desprovido de inteligência. Tais dificuldades para entendimentos, de certa forma, explicam a razão de terem ido trabalhar para um patrão de gênio tão intempestivo. Um dos empregados gostava de engolir lambari vivo para fazer graça para as visitas. Outro era epilético, de vez em quanto tinha ataques e caía dentro da lagoa, já foi puxado da água com enxada, se não bastasse, outros bebiam muito. Sô Chiquito continuava no batente com essa turma, era facão prá lá e prá cá, trato dos animais, horta e o que mais surgisse, sempre na xingação, sendo necessário ou não.


Mesmo diante da fama de bravo, já muito esparramada, achou por bem diminuir valentia com os filhos já maduros, e que afinal eram só visitas. Ainda assim, de vez em quando, ele saia das tamancas com algum. O filho atingido com o xingatório dava uma sumida da fazenda para mostrar contrariedade, uma forma de dar lição ao pai. Dizem que pouca importância ele dava ao fato. Foi nesse tempo o acontecido que muito vexou um dos filhos que, durante visitação ao pai, levou um amigo consigo e, sem imaginar a infeliz ideia, foi ao pomar levando um saco para colher mexericas para que o amigo as levassem para casa. Não é que Sô Chiquito considerou aquela atitude uma afronta e deu uma bela puxada de orelha no filho, bem ali, na frente do amigo. Além de ter dito várias palavras que não vêm ao caso, deixou claro que não gosta que apanhem suas frutas sem pedir e que ali não era terra de ninguém.  Filho e visita foram embora, com os rabinhos entre as pernas e sem as mexericas. Quem assistiu a cena disse que cutucaram a onça com vara curta.

Continua...

domingo, 25 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 8

CAPÍTULO VIII



Entregou a venda para a mulher e os filhos tocarem e foi viver na fazenda. Só saia de lá à tardinha para dormir na cidade. Foi um alívio para todos, ficar sem tanto arrojo, pelo menos durante o dia, foi um descanso. Mesmo contando com a diminuição das rabugices não foi um completo alento, pois mantinha certas exigências: nada podia atravancar a passagem do carro na entrada da chácara, Sô Chiquito passava por cima em objeto esquecido pelo caminho para dar lição; o portão de acesso à cozinha deveria ficar aberto no momento da chegada dele, sem deixar os cachorros entrarem. Certamente não era uma tarefa das mais fáceis, ficar ali de prontidão a espantar oito cães até que ele passasse com seus balaios, dava até zonzeira. Dos rituais de chegada o mais perturbador era manter os chinelos de borracha, junto ao banco, à disposição dos seus pés de bota. Cumprir esse dever era canseira certa, um dos chinelos ou mesmo o par desaparecia com freqüência, os cachorros se encarregavam disso. Era realmente um tempo de muita braveza!

Continua...

terça-feira, 20 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 7

CAPÍTULO VII


Com muita trabalheira e pouco gasto, adquiriu patrimônio, aumentou negócios. Mesmo diante da boa situação financeira só aceitava fartura se fosse de comida, o resto era regrado. Suas roupas aparentavam desleixo, gastar com roupa e sapato estava fora de cogitação, caso surgissem rasgos pelas roupas exigia remendos, além disso, as marcas de nódoas das bananeiras e o chinelo de dedos completavam o aspecto descuidado. Assegurava que roupa de trabalho é assim mesmo e como a vida era só de labuta para que roupa nova? Era um tempo de muito trabalho, começava a se movimentar antes de o sol nascer até ao entardecer, de domingo a domingo, ano a ano, a vida inteira. Economizava no que podia, o ganho era guardado com objetivo de comprar fazenda. Nunca soube o que era férias, dizia que era perda de tempo e dinheiro. Tampouco conheceu o mar, viagens para outras paragens foram raras. Só ficava ali naquele mundinho miúdo. Ele, a mulher e toda a filharada, eram nove.

Os filhos morriam de medo dele, quando Sô Chiquito entrava em casa era bom assuntar o seu humor, bastava ele mostrar contrariedade com algo para que todos se recolhessem aos seus aposentos e lá ficar quietinhos, fora da vista, com freqüência todos dormiam antes das galinhas. Foram criados nos limites da chácara, não havia permissão de sair para casa alheia e os de fora pouco se aventuravam a fazer uma visitação que seja. E assim foi até ele cismar que a pequena cidade estava grande para ele. Comprou as terras que sonhava e para lá se foi.

Continua...

sábado, 17 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 6

CAPÍTULO VI

Não gostava de padres. Dizia que eles só sabiam pedir. Não discutia religião nem futebol, ter time nem pensar e especulou muito pouco sobre política. Para ele, comerciante não deveria demonstrar gosto por certos assuntos. Mas houve um dia em que no calor da hora ele soltou sua opinião sobre Jesus Cristo:
_ Cristo foi o maior revolucionário que o mundo já teve ou terá. Disse isso assim, no seco. Nunca foi à missa. Atitude essa mais do que coerente com a sua maneira de conduzir o dia-a-dia. Na sua trajetória não cabia conjugar reflexões dominicais com suas verdades absolutas. Os mais chegados, em momentos raros, se aventuravam  em provocá-lo dizendo-lhe que se um dia ele adentrasse uma igreja todos os santos sairiam em debandada, ele com um ar matreiro parecia gostar do comentário. Tempos depois descobriu-se que ele, juntamente com outro comerciante, pagou um telhado novo para uma pequena igreja cujo santo possuía nome tal qual o seu.
 
Continua...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 5

CAPÍTULO V


De todas as suas certezas a que apresentou menor chance de ser contestada e em nenhum momento considerou sua conseqüente fúria exagerada foi estimulada por seu encontro com um pote de creme. Tudo começou por causa da mania que ele tinha de só entrar no quarto para dormir com a luz apagada, ele ia entrando no escuro e assim gostava de achar seu rumo. Nesse dia ele tinha cortado muita cana e se esfolado todo, teve então a brilhante idéia de passar um creme para dar alívio no ardume que sentia. No escuro, abriu a porta do guarda-roupa pegou o pote de creme da mulher e se lambuzou, passou nos braços, nas mãos e até na cara para abrandar quentura do sol. Só que achou o cheiro meio esquisito, resolveu sair do quarto para dar uma olhada. Foi um susto. Onde tinha passado o creme estava negro e  exalava cheiro de ovo podre. Pensou: É bosta. E não teve conversa: _ Quem foi o filho da puuuuta que colocou bosta pra eu usar? O pavio foi aceso. O pote voou janela afora, teve início a uma xingação sem limites, sobraram graves impropérios para os que se atreveram a esclarecer a confusão. Nem depois que a raiva diminuiu quis saber de conversa e afinal de contas quem  já não sabia que era conveniente deixar menos explicações? Iniciar palavreado sobre assunto polêmico após calmaria era ato insano. O fato real é que o pote de creme era à base de lamas do Araxá, presente que a mulher ganhou da filha. Sô Chiquito nunca ouviu essa verdade, para ele foi bosta encomendada.

Continua...

sexta-feira, 9 de abril de 2010

HISTÓRIA DE UM BRAVO 4


CAPÍTULO IV
Havia época em que ele cismava com umas crenças, volta e meia vinha com opinião nova. Ele tinha disso, não adiantava provas ao contrário. Tirava umas idéias da cabeça e ponto. Uma delas foi quando mandou a mulher trocar os zíperes das calças compridas das filhas: _ Troca tudo, põe de lado. Não quero conversa. E disse ainda: _ Essas moças tão engravidando é por causa dessas modernidades, onde já se viu roupa com tanta facilidade? As filhas ficaram muito tempo sem usar calças compridas, tal moda iria provocar risos em toda cidade, esperaram ele esquecer tamanha esquisitice. Não podia escutar suspiros diante de novelas, se por causa das casas bonitas soltava suas verdades: _ É tudo de isopor. Essas escadarias também são de isopor. Ou se por causa da história contada: _Não existe nada disso, novela só engana os trouxas, é mentirada só! De todas as cismas a mais curiosa era a lista de medicamentos que possuía para aliviar seus incômodos, além de insistir com todos para que fizessem uso em vez de gastarem na farmácia, não se sabe de onde tirava as indicações: Kolynos era bom para picada de inseto, queimaduras, bichos de pé, cortes em geral e até prá qualquer outra coisa que ninguém sabia o que era. Para cara cheia de espinha receitava passar nata de leite gordo. Quem chegou a usar disse que a cara encheu de espinha mais ainda. Gostava também de beber água com borralho 
do fogão à lenha, alegava que era uma maneira boa de adquirir “potassa”. Não vivia sem um leite magnésio, bebia diretamente no gargalo da garrafinha azul antes da hora de dormir.
Continua...