sábado, 20 de novembro de 2010

UMA MENINA NA ROÇA IV



Fazer visitas aos avós com a família toda era costume sem muitas novidades por haver uma respeitosa cerimônia por parte dos filhos para com os velhos pais, ali, assuntos polêmicos eram evitados. Já na chegada assistia-se a uma cumprimentação na qual os filhos tiravam o chapéu, quando era o caso, e faziam uma mesura para o beija-mão acompanhado do pedido de benção. Após esse andamento solene sentavam-se no comprido banco na varanda para início das conversações. A descontração dava-se quando a meninada disputava uma moeda do pai para que fosse ofertada aos santos dispostos em uma pequenina capela que dava para a varanda. Havia sempre um pratinho de porcelana à disposição para a oferenda a qual após um tempo era doada para a paróquia da cidade. Poucas travessuras podiam ser feitas naquelas terras. A meninada já saia de casa com várias recomendações de exemplar comportamento na casa dos avós. A graça então se resumia em andar pelo quintal para catar frutas com os primos, apreciar as quitandas e ouvir os causos dos adultos.




O avô era alto e tinha um corpo esguio graças ao trabalho bruto. Usava uma rústica correia ajuntando a calça na cintura, andava descalços o tempo todo e não gostava de viajar de carro, dizia não se sentir bem enfiado dentro de um veículo. Se sua presença fosse extremamente necessária na cidade, a viagem era feita a pé ou de carroça. Costumava falar muito alto, a ponto da vozeada se espalhar por muitas lonjuras. Tal alarde provocava idéias sobre possíveis desavenças nas suas paragens àqueles que estavam próximos das porteiras de entrada. Para se ter certeza se era uma boa hora para se chegar, sensato seria esperar pelo final da gritaria: se surgissem gargalhadas era somente mais um causo da roça, se prevalecesse silêncio, melhor fazer meia-volta rumo à cidade. A confusão provinha pelo hábito, e porque não dizer da notável capacidade, que o avô tinha para narrar histórias em altos brados empregando dramaticidade às vozes dos personagens envolvidos. Se necessário fosse, trocava a entonação de acordo com o embate, surgindo então, diálogos ágeis e quase reais. Ao final da narração, sendo caso de comédia ou não, o avô se encarregava de puxar as gargalhadas incentivando as dos ouvintes. Reconhecia-se que a graça estava na reapresentação feita e não no fato ocorrido.

Continua...

Nenhum comentário: