domingo, 13 de março de 2011

UMA MENINA NA ROÇA X


O café por lá colhido e torrado era moído na despensa localizada nos fundos da cozinha. Nessa peleja a menina ajudava, fazia força para girar a roda do moedor de ferro e ver sair um pó grosso e perfumado. De manhãzinha a menina sentia o cheiro da coa antes mesmo de se levantar, era adoçado com rapadura, servido na canequinha esmaltada acompanhado por quitanda e queijo, agradava por demais.

As atividades na roça começavam antes do dia se anunciar e terminavam antes da noite apontar. Quando a tardinha chegava era água fumegante nas chaleiras para os banhos na bacia, lamparinas nos pontos, janta pronta. O fechamento de portas e janelas antes do lusco-fusco era necessário para evitar os insetos, porém de pouca valia, os bichos apareciam de qualquer maneira. Só muita valentia para agüentar as ferroadas. Após o jantar, o avô trazia um emaranhado com vagens de feijão, colocava pelo chão da cozinha. Para ele era ocasião de divertimento. Avô e menina sentavam em volta de uma gamela para a debulhação, os dedos finos da menina chegavam a ferir, entretanto não acontecia reclamação. Sabia que naqueles instantes teria os momentos mais afetuosos com o avô. Ele lhe dedicava casos e histórias, julgados por ela importantes por serem relatos de sua jornada. Ignorava se a tomada de consideração por parte dele era por falta de ouvinte com topete de gente ou se era por ter tomado gosto pela neta. Ela se regalava.

A menina não soube ao certo de quem tomou o lugar na obrigação de lavar os pés do avô quando ele sinalizava o final da debulhação. Por andar para cima e para baixo somente descalços, carecia de um lava-pés caprichado antes de ir para a cama rezar o terço. A tia preparava a água esperta na bacia e a menina começava o serviço. Ele possuía pés enormes, vermelhos, e com as plantas dos pés se assemelhando a couro de boi curtido, a pele era dura e áspera. A menina usava uma bucha nascida na cerca juntamente com o sabão caseiro à base de sebo  para esfregar com a força toda que tinha, rapidamente a água ficava escura e espessa. A lavação só terminava quando ele determinava. Se havia um banho de bacia no quarto completando a limpeza, acontecia com muita discrição.

Continua...

Nenhum comentário: